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1 palavrinha

sincera

sobre manualidades

O varal

O céu. A atenção plena. O prazer.



Morei 7 anos num apartamento bem pequeno. A vida e as coisas se organizaram bem naqueles 50m², de modo que o espaço ou a falta dele nunca me incomodaram muito. Mas havia algo que não estava certo. O varal. Podem me julgar, mas sempre achei que roupa precisava de sol pra secar, higienizar e desinfetar. As dimensões econômicas da janela da lavanderia e a cozinha logo ao lado aumentavam ainda mais essa sensação difusa de inadequação. De certo modo, me compadecia da triste sina daquelas roupas que nunca veriam a luz do sol.

Ao me mudar para uma casa, percebi que espaço nunca me fez tanta falta quanto um pedaço de céu sobre o varal. Muitas vezes estendo a roupa, sento num cantinho e escrevo observando o vento soprar por entre as toalhas e o sol arder sobre os lençóis. Imagino prazerosamente uma legião de fungos e ácaros passando por maus bocados no meio daquelas tramas e eu, enfim vencendo alguma batalha estapafúrdia que criei na minha cabeça. Agora sim parece que a vida retoma alguma estranha ordem, da qual eu nem sabia direito que sentia falta. Se observarmos bem, os objetos a nossa volta não param de nos contar estórias de prazer/desprazer. Por muitos anos usei somente alfinetes para costurar e me espetava muito. O ato de sentar à máquina e costurar tornava-se, então, uma quase certeza de que meus dedos sofreriam. Este pequeno ruído tirava parte do meu prazer e eu nem me dava conta disso num plano consciente, como se somente meu corpo tivesse registrado essa aflição. Quando passei a usar a costura de segurança em vez de alfinetes, parece que o ato de costurar se arredondou na minha mente. A iminência quase certeira daquele desprazer tinha sumido e eu, enfim, poderia saborear plenamente a experiência de passar os tecidos pela máquina sem percalços, como numa dança, em que mente, mãos e espírito se encontram perfeitamente alinhados. Às vezes fazer as atividades do cotidiano com mais leveza e prazer passa por retirar as micro perturbações do caminho. É um exercício de atenção às pequenezas que nos rodeiam e que roubam discretamente nossa disposição.

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